“Entre as criaturas, que vivem da terra e no solo rastejam,/ nada se pode encontrar de mais mísero do que os próprios homens,/ pois ninguém julga possível, jamais, que lhe venha a desgraça,/ enquanto os deuses favores concedem e as pernas lhe movem.”

(pág. 302 e 303, versos 130-133)


Quando ouvi dizer que ler Homero é uma experiência de vida, achei que fosse exagero. Até ler Ilíada e, recentemente, Odisseia. Hoje, venho falar de Odisseia, esse poema épico que até hoje arranca suspiros de quem o lê.


 O livro começa aproximadamente 20 anos após a Guerra de Tróia, em meio a agonia de Penélope, mulher do grande herói Odisseu, e Telemâco, seu filho; isso porque, mesmo após 10 anos da guerra ter acabado, o herói e amado não voltou ao lar. Além disso, no palácio de Odisseu há diversos pretendentes que querem desposar Penélope por acreditarem que o herói morreu, esperando apenas o momento em que ela escolherá um deles.


 Apesar disso, Penélope não deseja se deitar ao lado de mais ninguém, além do seu eterno amado. E mesmo após anos longe de casa e passando por terrores e lutas inimagináveis, Odisseu ainda sonha com a volta para o lar e para sua família.


 “Lágrimas, pois, a verter, contemplava o infecundo oceano.”

 (pág. 101, verso 84)


 A leitura desse livro foi mais fácil do que imaginava, pois achei a Ilíada complicada. Não sei se é porque eu já havia me acostumado com a lírica do Homero, ou porque o fio comum de Ilíada fica mais nas entrelinhas do que Odisseia - um utiliza o ódio de Aquiles como plano de fundo para retratar uma guerra pode ser mais complicado de se interpretar, mas a simples jornada de Odisseu retornando para casa e para sua amada é mais clara.


 Um ponto muito interessante que diferencia ambas as obras são as características dos heróis: enquanto Aquiles é passional e impulsivo, não sabendo dominar suas paixões e anseios acabando por causar diversas mortes, Odisseu nos parece mais maduro, como uma pessoa que acabou aprendendo muito mais do que os outros por conta de sua trajetória. Isso fica bem claro ao comparar ambos os poemas.


 “De fato,/ não me assemelho a nenhum dos eternos, que moram no Olimpo,/ nem nas feições, nem na altura; sou simples mortal transitório,/ tal como os homens que estais habituados a ver, experientes/ no sofrimento; com esses, em dores, presumo igualar-me.”

 (pág. 129, versos 208-212)


 Outra coisa que muito me interessou foi o eterno combate entre destino e livre-arbítrio, pois mesmo que os deuses mudem e interfiram nas coisas ao seu bel prazer, assim tendo o destino do herói em suas mãos, as escolhas dele também são pontos chave na determinação de seu caminho.


 “Não há nada pior para os homens mortais do que errar sem destino.”

 (pág. 258, verso 343)


 Essa é uma obra cheia de minúcias e interpretações, além de episódios conhecidos até mesmo na cultura pop, como o canto IX  e X em que o herói enfrenta o ciclope Polifemo e passa pela ilha de Circe, ou o clássico canto XII em que Odisseu navega entre as sereias amarrado no mastro do navio, e passa por Cila e Caribde.


 Esse poema é, tradicionalmente, dividido em 3 partes: a Telemâquia (cantos I ao IV), a Viagem de Odisseu (cantos V ao XII) e o Retorno/Vingança de Odisseu (cantos XIII ao XXIV). Na primeira, somos apresentados ao Telemâco e sua esperança, ainda que ínfima, de que seu pai retorne para casa. Influenciado pela deusa Atena, ele viaja em busca de respostas para encontrar os heróis que voltaram a salvo da guerra - e nisso, temos uma chance nostalgica de rever personagens tão marcantes de Ilíada. Na segunda, encontramos Odisseu preso na Ilha de Calipso, mas logo sendo liberto por concessão dos deuses, assim podendo retomar o caminho de casa após 7 anos na ilha. E então vamos acompanhando seu retorno lento permeado por percalços divinos e mundanos, como quando ele narra o que aconteceu antes dele acabar na ilha desde sua saída de Tróia, até quando ele chega em Ítaca (sua terra natal) e se disfarça de mendigo para entrar no castelo sem ser reconhecido. E é nesse ponto em que começa a terceira parte, o retorno e a vingança de Odisseu. Por meio de planos engenhosos e ajuda dos deuses, o herói realiza tudo que há anos sonha, retornando à pátria. Não posso dizer mais nada além disso para não dar spoiler, mas afirmo com convicção que os cantos nessa parte me deixaram arrepiada e me fizeram derramar algumas lágrimas.


 Essa divisão pode variar de acordo com a edição, como a minha do box da Nova Fronteira, que é dividida em 6 partes. Porém isso nada muda em relação a leitura em outras edições, e por isso preferi falar da divisão clássica aqui.


 “O coração podia encantar-te, se viesses a ouvi-lo.”

 (pág. 295, verso 514)


 Ademais, a tradução que li pode ser considerada uma das melhores brasileiras, e não discordo disso. Sempre dou preferências a traduções feitas direto da língua original do texto, e essa de Carlos Alberto Nunes preserva os versos de 16 sílabas, algo excepcional por conta da dificuldade de adaptar ao português. E um dos pontos que me auxiliou demais na hora de leitura, tornando mais fácil ainda, é a introdução do tradutor que analisa a obra (essa introdução também tem em Ilíada, sendo um pouco maior, e as considero essenciais na interpretação de ambas epopeias, além de auxiliarem para acompanhar os fatos) e os resumos dos cantos no início deles.


 Por isso, recomendo sempre que possível para quem se interessar em ler tais obras, essa edição da Nova Fronteira. Ainda não tive a chance de ler em outras traduções de outras editoras, mas apenas a experiência que tive com esse box me deixa claro que o custo benefício é ótimo, devido a tamanha qualidade e materiais adicionais que têm.


 Não é atoa que os heróis por Homero desenvolvidos sejam tão incrivelmente lembrados até os dias de hoje, afinal, uma das grandes características do poeta é criar personagens inconfundíveis e também diversos. Citando o próprio tradutor,


 “[...] é um romance genial, cujo fascínio só tem aumentado com os séculos, parecendo que o tempo não conta para a sua duração. Como as Pirâmides, como a música de Beethoven, como o retrato da Mona Lisa, inclui-se a Odisseia entre as criações eternas, que só permitem uma única referência cronológica: a do milagre da origem. Mas, uma vez concretizadas - tal como as grandes cordilheiras que, num momento preciso, emergiram das águas - todas essas criações do homem passam a ser símbolo da duração eterna, outros tantos troféus da vitória sobre o tempo.”

 (pág. 22)


 É impossível não se ver envolto nos acontecimentos e ficar ansioso com o herói; não chorar com ele; não se arrepiar quando ele luta. Desde a mitologia e as lutas até o amor que aguenta os piores temporais e distâncias, essa é uma história passional, intensa, que faz jus a palavra “épica”. Terminei extasiada e sentindo que minha vida, após ler esses versos, não seria mais a mesma. Ler Homero, de fato, é uma experiência de vida. E quem o ler vai ter a chance de mudar suas perspectivas não só de vida, mas principalmente enquanto leitor. Não minto, a leitura não é fácil, principalmente quando é sua primeira vez com um texto tão antigo e em versos, ainda. Mas o melhor é não ter pressa, fazer leitura ativa e aproveitar; assim que você se acostuma com o estilo do livro, a leitura flui deliciosamente. É um livro indispensável para quem, assim como eu, ama clássicos e ama mais ainda mitologia grega.


 “Todos os homens precisam da ajuda dos deuses eternos.”

 (pág. 60, verso 48)


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