Em 1955, a mulher estadunidense negra Rosa Parks recusou-se a ceder seu lugar no ônibus para um branco se sentar, e foi presa por esse pequeno (grande) ato de resistência. Seu ato e prisão chamaram a atenção pelo país, naquela época ainda com leis fortes de segregação racial; e então o Movimento dos Direitos Civis eclodiu.


 Nesse contexto, surgem os Panteras Negras, a princípio um grupo que buscava combater a violência policial contra os negros, porém que se tornou um partido político.


 O grupo foi criado por Huey Newton e Bobby Seale na Califórnia, mas ganhou projeção nacional rapidamente. Em seu auge, eles tinham mais de 5 mil membros e 30 comitês. O princípio central que os guiava era o “amor infinito pelas pessoas”.


 Embora os veículos de mídia tivessem o foco da retórica “violenta” do Partido, e do fato deles portarem armas, o Partido tinha diversas atividades não violentas; sempre com projetos de formação política e organização das comunidades.


 Eles defendiam a autogestão social, onde a comunidade afro-americana se governasse; defendiam também os projetos sociais em auxílio para a população em situação de pobreza e a autodefesa (armada) contra a violência do Estado.


 Por isso, eles monitoravam o comportamento da polícia em bairros e comunidades afro-americanas, até mesmo com membros armados do partido apareciam durante prisões de mulheres e homens negros, afim de vigiar as ações dos policiais - dentro de uma distância permitida, claro, sempre de acordo com as leis de porte de armas vigentes na Califórnia àquela época.


 Eles também ajudaram a afirmar a beleza negra, não tendo medo de usar seus black powers e jaquetas de couro, gerando um movimento de aceitação da beleza negra que perdura forte até os dias atuais - como, dando um exemplo específico e recente, o filme musical/álbum visual Black is King, da Beyoncé.


 Suas principais influências eram Karl Marx e Frantz Fanon, sendo abertamente anticapitalistas e desenvolvendo o Programa de Dez Pontos, onde exigiam o fim da violência e direitos básicos (ver na foto abaixo).



 Um momento marcante foi em 1967, quando 30 membros do partido invadiram a Câmara Municipal da Califórnia enquanto era debatido a proibição do porte de armas; e outro, quando Huey Newton foi acusado de matar um policial durante um tiroteio em uma blitz, acabando por ser hospitalizado por ferimentos graves e até mesmo algemado na cama. Eldridge Cleaver assumiu a liderança do partido e começou o movimento “Free Huey” (“Liberte Huey”).


 O FBI (Federal Bureau of Investigation) iniciou um Projeto de Contraespionagem visando desarticular e dissolver movimentos progressistas, sendo vistos como subversivos; com isso, se infiltraram no Partido e desmoralizaram-no. Os membros eram assediados, perseguidos, tendo seus telefones grampeados e famílias também assediadas. O ex-diretor do FBI (que lançou o projeto de contraespionagem citado anteriormente), J. Edgar Hoover, temia a ascensão do partido e que brancos se aliassem aos ativistas - então, encontrou formas de espionar, rastrear e incriminar os membros do partido, colocando até mesmo informantes. Um deles foi William O’Neal, que era guarda-costas do ativista proeminente Fred Hampton (21 anos). Fred Hampton era um líder em ascensão e considerado carismático, presidente do partido no estado de Illinois; estava envolvido desde os 15 anos em lutas para reinvidicação de direitos dos negros.


“Você pode prender um revolucionário, mas não pode prender a revolução”

- Fred Hampton


 A violência contra os membros do Partido por parte da polícia e do Estado era tão era intensa que chegava a ser considerada desproporcional, resultando em dezenas de membros mortos, como o próprio Fred Hampton e Mark Clark (22), que foram mortos pela polícia enquanto dormiam com 14 tiros.


 Ademais, outros diversos membros foram presos: a professora, marxista, filósofa e feminista Angela Davis, embora não fosse filiada ao partido, foi acusada (sem provas) de comprar as armas usadas no julgamento de três jovens que eram acusados de matar um policial. Um dos jovens tomou o tribunal e o juiz como reféns, acabando com o juiz e os três jovens mortos. Ela era considerada uma terrorista perigosa, sendo até mesmo colocada na lista dos 10 criminosos mais perigosos do país, acabando sendo perseguida e presa em 1971. A reação a sua prisão foi tão intensa que gerou um movimento cultural de proporção nacional chamado “Free Angela” (“Libertem Angela”). O impacto foi tão grande que John Lennon e Yoko Ono  escreveu a música “Angela”.


“Irmã, existe um vento que nunca morre/ Irmã, nós estamos respirando juntos/ Irmã, nossos amores e esperanças/ para sempre/ movendo-se tão lentamente/ no mundo”

(trecho da música)


 Em 1972, um ano e seis meses após sua prisão, foi concluído pelo júri (composto apenas por brancos) que mesmo que houvesse comprovação de que as armas usadas no julgamento em que os três jovens e o juiz morreram foram compradas pela Angela, isso não seria o suficiente para ligar ela aos crimes. E então, ela foi liberta. 


 Assata Shakur, uma militante, escritora e poetisa negra (e madrinha do rapper Tupac Shakur!) também foi alvo do Projeto de Contraespionagem. Como atuava com os Panteras Negras e no Exército de Libertação Negra, ela foi um alvo forte, sendo acusada de assassinato (sem provas, novamente) e chegando até mesmo a ser presa. Ela acabou fugindo da prisão e do país, sendo acolhida em asilo político em Cuba - onde vive até hoje, cerca de 4 décadas depois. Sua vida, poesia e luta ecoam até hoje nos gritos por igualdade nas manifestações e lutas da comunidade negra pelo mundo.


 Dei apenas dois exemplos de lideranças femininas que existiam entre os Panteras, mas existem muitas mais. Porém são dois ótimos exemplos para mostrar como as mulheres racializadas lutavam por seus direitos assiduamente, sendo eternizadas como históricas e necessárias para a conquista da voz feminina nos atos políticos e revolucionários.


 E enfim, partido teve que enfrentar tantos processos por conta do projeto de J. Edgar Hoover, que acabaram com graves problemas financeiros. O partido se dissolveu em 1982 em decorrência de desentendimentos entre os membros e a liderança.


 A herança que os Panteras Negras deixaram é algo inapagável na história da reivindicação dos direitos dos negros não só nos Estados Unidos, como no mundo. O movimento Black Lives Matter, já mais recente, utiliza como símbolo o mesmo gesto que os Panteras usavam para demonstrar seu poder: um punho levantado no ar.


 Foi difícil resumir algo tão grandioso e importante como os Panteras, mas não há como não falar deles no mês da Consciência Negra - e no ano todo, para falar a verdade. Eles tem uma história de revolução que ainda não acabou, continuando a ser escrita pelo mundo dentre as manifestações e pequenos atos de resistência.


 “Não aceito mais as coisas que não posso mudar, estou mudando as coisas que não posso aceitar”

- Angela Davis


Fontes (que também indico para leitura):


- Panteras Negras, Todo Poder Ao Povo

- Panteras Negras e o Movimento Racial nos EUA

Biografia Rosa Lee Parks

Morte de Fred Hampton e Mark Clark

A História dos Panteras Negras em 27 Fatos Importantes

A Vida e A Luta de Angela Davis

Assata Shakur Me Ensinou A Lutar


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