[Bill Denbrough vence o diabo (III)]


 “Uma pessoa me ligou. Uma pessoa que conheci há muito tempo. Em outro lugar. Naquela época, aconteceu uma coisa. Fiz uma promessa. Todos prometemos que voltaríamos se essa coisa voltasse a acontecer. E acho que voltou.”

(pág. 73)


 Na cidade de interior Derry, mortes estranhas começam a acontecer - violência e terror nas entrelinhas dos acontecimentos. Em meio a esse cenário caótico, Mike, Bill, Ben, Richie, Stan, Eddie e Beverly devem enfrentar a causa de todos esses males: A Coisa.


 Dividido em duas linhas temporais (1958 e 1985), Stephen King nos conta uma história de suspense e horror por meio dos olhos assustados do Clube dos Otários - crianças excluídas por serem diferentes do que o padrão da época exigia.


 Alternando as linhas temporais sem ordem aparente, King cria um ar intrigante em volta do passado e do presente: assim como os personagens em 1985 que mal lembram do que ocorreu em 1958, vamos descobrindo ao decorrer do livro com eles tudo o que aconteceu naquele ano fatídico. Creio que essa estrutura temporal foi um ponto importantíssimo para criar toda a atmosfera de suspense no livro, nunca nos dando a história/informação inteira, mas sempre contando em migalhas até que fiquemos doidos criando teorias e possibilidades para preencher as lacunas.


 “Talvez, pensou ele, não existam coisas como amigos bons ou ruins. Talvez existam só amigos, pessoas que ficam ao seu lado quando você se machuca e que ajudam você a não se sentir muito sozinho. Talvez valha a pena sentir medo por eles, sentir esperança por eles e viver por eles. Talvez valha a pena morrer por eles também, se chegar a isso. Não amigos bons. Não amigos ruins. Só pessoas com quem você quer e precisa estar; pessoas que constroem casas no seu coração.”

(pág. 781)


 O que pode ser um ponto fraco e que causa desistência de muitos sobre a narrativa, foi o que mais me admirou: a descrição. Creio que isso seja um traço da escrita de King (esse foi o primeiro livro que li dele), e concordo que no começo é sim extremamente denso e difícil de pegar o ritmo - porém com essa descrição, entramos de cabeça no cenário estranhamente normal de Derry, e nos sentimos quase que ao lado dos Otários. Depois que nos acostumamos com a narrativa dele, o livro flui mais do que esperávamos; mas ao mesmo tempo, não queremos que o livro acabe, de tão intenso e envolvente que é. Após a metade do livro sequer consegui largar ele, e quando fazia isso ficava pensando no enredo e seus desenrolares.


 Foi com essa descrição, também, que King expressou o terror que os personagens (principais ou secundários) sentiam. Lendo como eles estavam aterrorizados fez eu me sentir com medo também. Houveram momentos que os pelos da minha nuca ficaram arrepiados e tive que parar de ler por estar apreensiva! Devo bater palmas para a profunda descrição psicológica que ele fez de todos, é algo que sinto nunca ter visto ser feito da mesma forma que King fez em qualquer outra leitura. 


 Há momentos em que vemos os acontecimentos de personagens secundários que não são os Otários, e são nesses capítulos que entendemos o mistério e ar de anormalidade que ronda a cidade, além de termos muito do que citei acima: o terror psicológico, a Coisa mergulhando nos cantos mais inóspitos da nossa mente.


 “Ele está doente, claro, não há dúvida quanto a isso, mas não é um vírus nem uma febre fantasma. Ele foi envenenado por suas próprias lembranças.”

(pág. 283)


 Agora sobre aquela cena, aquela polêmica cena que sempre é discutida quando o assunto é esse livro. Não vou entrar em muitos detalhes já que é spoiler, mas sinto a necessidade de dizer o que achei sobre ela. Não a achei necessária, muito menos coerente com o contexto do livro: ela destoa completamente. Por isso, crendo que o King não jogaria algo aleatório sem que tivesse alguma utilidade para a narrativa, tenho certeza que ele só colocou a cena ali para chocar. Assim como muitas cenas nesse livro, um dos fatores principais é o choque por meio do horror ou do incômodo, e ele conseguiu isso com essa cena - até porque, até hoje ela é debatida.


 “Era como se ele fosse o fantasma, uma presença que falava e se movia, mas não era ouvida nem vista, uma coisa sentida vagamente, mas ainda não aceita como real.”

(pág. 323)


 Esse livro não é sobre um palhaço do mal, longe disso. É sobre as formas que o medo pode tomar e se entranhar nas veias de um lugar, mudando a geografia, as pessoas, os atos de todos. É uma construção de horror além do imaginável, além do terreno. Mas também é sobre força, amizade e amor - coisas que nos ficam expostas pelo Clube dos Otários, esse grupo que é impossível não se afeiçoar e se sentir parte.


 Entendo quem não gosta do livro por diversos motivos, mas para meu primeiro contato completo com King (já havia começado O Iluminado mas nunca o terminei), eu fiquei admirada e apaixonada. A forma que o King estruturou e nos contou essa história é sensacional - um livro já nascido clássico.


“Parece que coisas ruins, coisas cruéis,  se dão bem no solo desta cidade”

(pág. 436)




4 Comentários

  1. Meu Deus, é incrível como eu não sou capaz de terminar um livro porem leria até mesmo sua lista de compras 💗 Ah, só um pensamento que ficou em mim: "Parece que coisas ruins, coisas cruéis, se dão bem no solo desta cidade; vulgo Pimentas 👌🏻

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  2. E sim, até mesmo sua lista de compras, assim como Hazel Grace escreveu para Peter Van Houter; de acordo com a dublagem do filme, claro 🌞

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