“A grandeza é uma experiência transitória. Nunca é consistente. Depende em parte da imaginação criadora de mitos da humanidade. A pessoa que experimenta a grandeza precisa perceber o mito na qual está inserida. Precisa refletir o que nela é projetado. E precisa entender muito bem o sarcasmo. É isso que a desatrela da crença em suas próprias pretensões. O sarcasmo é tudo que lhe permite se mover dentro de si mesma. Sem essa qualidade, até mesmo a grandeza ocasional destruirá um homem.”

(p. 174)


 Sendo uma das principais obras de ficção científica e que revolucionou o gênero, em Duna acompanhamos o jovem Paul Atreides, filho do duque Leto Atreides, enquanto eles estão se mudando para um planeta árido e coberto de desertos: Arrakis, chamado também de Duna. 


 Passando-se em um futuro que não parece ser tão distante, logo descobrimos que os seres humanos quase foram extintos pelas máquinas conscientes que criaram, e que elas foram proibidas no Império. Com isso, algumas pessoas são treinadas para substituírem essas máquinas, os Mentat; e Paul é uma delas. Além disso, ele também fora treinado pela sua mãe (Jéssica) na doutrina das Bene Gesserit, um grupo de mulheres especializadas em observação e manipulação, mesmo que seja proibido treinar um homem nessa doutrina que não seja o  Um personagem com visão aguçada e não menos do que intrigante, Paul aos poucos vai se tornando o centro de um enredo que é completamente diferente do que esperamos ao ler a sinopse.


 “Um dia os homens entregaram a própria razão às máquinas, esperando que isso os libertasse. Mas só se deixaram escravizar por outros homens com máquinas.”

(p. 29)


 Cada planeta, no livro, é comandado por uma “Casa”, que por sua vez são supervisionados pelo imperador padixá Shaddan IV; a Casa Atreides foi destacada para o planeta de Arrakis, mas o que parece ser uma honraria pela ascensão da Casa, mostra-se apenas ser um golpe político orquestrado pelo imperador junto a Casa Harkonnen, grande rival dos Atreides.


 As tramas políticas são um ponto forte e distinto no livro; o leitor se vê imerso em traições e barbáries como se fosse uma teia interminável que, a cada linha, parece se complicar ainda mais. Mesmo sendo esse um traço quase sempre presente nas ficções científicas, em Duna a política se torna quase um personagem onipresente e onisciente, influenciando as decisões e pensamentos de todos os personagens. Conhecemos um Império que controla a riqueza e a pobreza, os fortes e os fracos; a abundância e a escassez. Nos revoltamos com os personagens com a desigualdade e maldade dos que estão no poder, e cada vez que imaginamos como uma trama política irá acabar, somos surpreendidos por algo totalmente diferente e inesperado.


 Outro ponto que o livro aborda abundantemente além da política e da sociedade desigual é a religião. Tanto as Bene Gesserit quando a população de Arrakis tem seus messias e suas lendas, crenças de heróis que virão salvar seu povo ou pessoas com poderes tão grande que poderão destruir tudo. E Paul mal sabe, mas logo se tornará a peça central das lendas tanto das Bene Gesserit quando de Arrakis.


 “Quando religião e política viajam no mesmo carro, os condutores acreditam que nada é capaz de ficar em seu caminho. Seu movimento torna-se impetuoso, cada vez mais rápido. Deixam de pensar nos obstáculos e esquecem que o precipício só se mostra ao homem em desabalada carreira quando já é tarde demais.”

 (p. 489)


 Os capítulos se alternam entre os pontos de vista de Paul, sua mãe, os Harkonnen e mais diversos personagens que vamos desvendando ao decorrer da história. Uma das vantagens de ser um livro de mais de 600 é a possibilidade de desenvolver bem tais personagens, coisa que acontece com tanta maestria que fiquei chocada. Todos as personalidades que nos são apresentadas no livro evoluem e crescem, seja para bem ou para mal, e levando em conta os tantos personagens que surgem página após página… digo apenas que Herbert fez um trabalho impecável ao construir uma infinidade de pessoas tão reais que você quase se pergunta se existem mesmo.


 E, mesmo que em diversos momentos do livro Paul pareça ser frio e distante, calculando cada passo milimetricamente, o nosso “herói” não deixa de ser apenas um adolescente frágil fadado a carregar o peso das esperanças de não só algumas pessoas, mas de um mundo todo. Mesmo ele sendo um dos que mais se desenvolvem na narrativa, ainda há no fundo uma insegurança por ter um papel único em um futuro trágico. Além dele, uma das que mais me admiraram foi Jéssica, mãe de Paul, que se fez uma das personagens mais humanas do livro e que tinha o inevitável dever de servir, já que fora criada por isso. Mas também se mostrou muito forte ao entender o papel de seu filho e guiá-lo tanto quanto possível, custasse o que fosse necessário.


 “Fitou o rosto de Paul, os olhos dele: o olhar que se voltava para dentro. E lembrou onde tinha visto aquele olhar antes: retratado em registros de desastres, nos rostos de crianças que conheceram a fome ou sofreram ferimentos terríveis. Os olhos eram como fossos, a boca uma linha reta, as faces encovadas.

 É o olhar da terrível conscientização, ela pensou, de alguém obrigado a conhecer a própria mortalidade.

 (p. 260)


 O planeta Arrakis comporta um dos principais produtos comercializados pelo Império: a melange, especiaria que se encontra nos desertos e é extremamente difícil de coletar por conta dos imensos vermes da areia que vivem nos desertos. A especiaria é controlada pela Guilda, que a comercializa para outros planetas. Uma especificidade dela é que, além de viciar, quanto mais se usa ela, mais seu olho se torna azul; até que o azul profundo tome todo o olho de que a consuma. Por isso, a população do planeta é distinta pelo olhar, principalmente a população fremen que sobrevive nas margens do deserto e é conhecida por ser forte devido às dificuldades passadas.


 O diferencial desse livro para os outros de sci-fi é a maestria da qual Herbert teve para criar um sistema ecológico minuciosamente para Arrakis: com os temidos vermes de areia, alguns tendo centenas de metros, e a forma como a água é um bem precioso no planeta, não há como não se admirar por esse universo tão bem desenvolvido. A vida no planeta quase coberto de deserto demanda trajes especiais que aproveitam cada porcentagem de água do corpo dos habitantes, até mesmo para andar nas areias é preciso uma forma específica para não atrair os vermes. Além disso, o foco na sobrevivência e nas tramas que envolvem o planeta são completamente diferentes de outros sci-fi que, quase sempre, focam na tecnologia e seus males. Creio que é isso que o distingue tanto. O livro traz uma mensagem fortíssima sobre como a água é uma dádiva, e como ficar sem ela pode transformar todo um mundo; seja na vegetação, no horizonte terroso ou na vida dos habitantes. Em determinado momento é quase possível se sentir na atmosfera do planeta, sentindo na pele a aridez e a dificuldade.


 “Os homens e suas obras foram uma doença na superfície de seus planetas até agora - disse o pai. - A natureza costuma compensar as doenças, removê-las ou isolá-las, incorporá-las ao sistema a sua própria maneira.”

(p. 358)


 Sobre a escrita do Herbert, não posso dizer que é fácil, até porque são tantos conceitos e definições que no começo do livro me senti um tanto perdida. Mas quando você entende as minuciosidades, a leitura se torna mais fácil e muito interessante, de tão cheia de descobertas quando é. O livro demora a engatar, mas quando o faz, são plot twists e intrigas que não acabam mais. Para dar uma ideia de quão absorta eu fiquei por Duna, em apenas um dia li 500 páginas, e no outro já finalizei o livro (!!!). Nunca li tanto em um dia só, então dou o mérito para esse livro que faz a leitura ser fluída.


 Eu tive muito medo de minhas expectativas serem altas demais, admito, pelo tanto que ouvi e li sobre. Qual foi a minha surpresa quando as minhas expectativas foram não só quebradas, como destruídas e superadas por algo tão mais grandioso? Chega a ser difícil resenhar esse livro, pois nenhuma palavra ou descrição parece o suficiente para compreender os detalhes e sentimentos que o livro provoca. O ritmo da obra muito me lembrou as poesias épicas de Homero, cheias de atos grandiosos e consequências incertas. Então, se me pedissem para definir esse livro, eu definiria-o como uma ficção científica épica e cheia de poder, revolucionária em seu âmago e diferente de tudo que qualquer pessoa já possa ter lido.


 Nem preciso dizer que recomendo muito esse livro, certo? Todo o dinheiro investido nesta obra vale a pena, seja pela história magnífica ou pela edição incrível da Editora Aleph: tanto a capa dura com a ilustração linda, quanto o interior do livro e sua diagramação me pareceram certeiras. Mal vejo a hora de ler os próximos livros dessa saga hipnotizante.


“O encontro da ignorância e do conhecimento, da brutalidade e da cultura, começa na dignidade com a qual tratamos nossos mortos.”

(p. 405)


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Sobre o autor

Frank Herbert foi um escritor e jornalista estadunidense de grande sucesso, sendo mais conhecido pelo livro de ficção Duna e os cinco livros subsequentes da saga. O livro foi um best-seller e fez o autor ganhar prêmios como o Prêmio Nebula em 1965 e o Prêmio Hugo em 1966. O autor morreu em 1986, deixando diversos fãs e um legado com a saga que hoje é considerada uma das melhores ficções científicas de todos os tempos.





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