“Não podia ter pensado que quanto mais o homem tenta escapar da morte mais se aproxima da autodestruição, não podia lhe passar pela cabeça que talvez fosse esse o desígnio oculto e traiçoeiro da ciência, sua contrapartida.”


 No ano de 1939, aos 27 anos, o antropólogo norte-americano Buell Quain se suicidou após sair da aldeia dos indígenas krahô, indo em direção a cidade de Carolina, no Tocantins. A morte, mesmo que investigada diversas vezes anos e anos depois, até hoje se mantêm misteriosa por não ter motivo aparente e ter sido abrupta. Ao saber desse fato em um artigo de jornal, Bernardo Carvalho resolveu investigar mais sobre essa morte para escrever um romance, porém encontrou diversas ligações com sua vida pessoal envolvidas na vida do antropólogo.

 Em uma genial mistura de investigação, realismo fantástico e romance epistolar, Bernardo Carvalho nos envolve nessa narrativa do início ao fim. Alternando os capítulos entre uma pessoa misteriosa escrevendo cartas para alguém que virá, contando suas experiências pessoais com Quain, e capítulos narrados sobre as pesquisas e investigações de Bernardo sobre a morte, é impossível não tentar descobrir por si só o que diabos houve em agosto de 1939. 

 A leitura nem sempre pode será fácil: há parágrafos que tomam mais de duas páginas. Mas isso não interferiu na minha experiência, pois eu fui tragada pela história facilmente e mal pude largar o livro nos dias em que me dediquei a ler ele. Como são apenas 150 páginas, você termina sem sequer notar, e fica com aquele sentimento de “o que aconteceu aqui?”; pois, basicamente, o final é aberto e a conclusão depende unicamente do que você captou e absorveu durante a leitura.

 Um ponto que eu achei extremamente interessante foi o teor autobiográfico presente no livro e como o autor o ligou com os fatos que perpassam a morte de Quain; com isso, a leitura fica interessante e dinâmica, sempre com algo a nos surpreender nas páginas.

 Porém, houve um ponto que me incomodou e que me impediu de dar 5 estrelas para esse livro. Como a morte do Quain está intrinsecamente ligada aos krahô, há diversas partes falando sobre eles e seus costumes, e consequentemente… ignorância.

 A forma como o autor representou os indígenas me soou extremamente desrespeitoso e, para variar, apenas a perspectiva de um homem branco sobre uma cultura que não conhece. Isso me decepcionou, pois eu esperava um posicionamento diferente em um século em que aprendemos que, o que é diferente não é necessariamente selvagem, muito menos ruim. Creio que havia sim uma forma de representar os indígenas sem faltar com respeito pela cultura e modos deles, portanto isso deve ficar claro. Por mais que seja apenas o ponto de vista do qual já nos acostumamos, de plena ignorância e (nem tanta) falta de conhecimento sobre eles, isso não o isenta de críticas.

 Enfim, esse livro se tornou leitura obrigatória da Fuvest, e entendo o porquê. Apesar dos pesares, reconheço a qualidade e misticidade que envolvem o livro todo. Após dias de ter lido esse livro, ainda me pergunto: por que Quain se matou?


Sobre o autor

Bernardo Carvalho é um escritor, tradutor e jornalista brasileiro; já ganhou o Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira com o livro Nove Noites, lançado em 2002.




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