“Imagine viver em um mundo onde todos nós podemos ser quem somos, um mundo de paz e possibilidades. Uma revolução feminista sozinha não criará esse mundo; precisamos acabar com o racismo, o elitismo, o imperialismo. Mas ela tornará possível que sejamos pessoas - mulheres e homens - autorrealizadas, capazes de criar uma comunidade amorosa, de viver juntas, realizando nossos sonhos de liberdade e justiça, vivendo a verdade de que somos todas e todos ‘iguais na criação’. Aproxime-se”



Em O Feminismo É Para Todo Mundo, bell hooks apresenta aos leitores o feminismo e suas diversas nuances, pautas e perspectivas diferentes; mas, principalmente, a ideia de um feminismo solidário e pautado no amor revolucionário e na educação. Dividido em 19 capítulos, o livro aborda desde direitos reprodutivos e raça/gênero, até maternagem e paternagem feminista.

A proposta desse livro, bem como a autora especificou na Introdução, é ser uma fonte de introdução ao feminismo que pudesse ser lido e compreendido por todos. Isso pois a autora percebeu, desde que ingressou no movimento, que os livros e artigos feministas estavam com uma linguagem muito acadêmica e pouco compreensível para a massa, o que fez com que o conhecimento e as discussões ficassem sempre no meio acadêmico. Com isso, ela esperou que logo iriam criar um livro ou cartilha sobre o movimento feminista que pudesse ser lido e compreendido por todos, adentrando em todas as camadas da sociedade. Porém, ao perceber que isso não ocorreu, acabou por fazer isso por si própria, e foi então que O Feminismo É Para Todo Mundo foi publicado em 2000 (no Brasil, foi publicado apenas em 2018 pela Editora Rosa dos Tempos). Creio que o diferencial dela é justamente essa linguagem acessível que ela usa em seus livros, o que já foi muito criticado no meio acadêmico (e no próprio movimento feminista).



Ao ler o livro, percebi que cometi um erro ao iniciar as leituras de teorias feministas, não começando por ele; há pautas abordadas pela bell hooks que eu sequer havia ouvido falar, e outras que eu já havia passado o olho por cima em outros livros, mas nunca me aprofundado com pontos de vista diferentes.

Algo que acho extremamente interessante é como a própria autora aponta os diversos erros que o movimento cometeu (e comete), como por exemplo a falta de consciência de classe e racialização das pautas. Como ela mesma diz no capítulo 3, “Enquanto mulheres usarem poder de classe e de raça para dominar outras mulheres, a sororidade feminista não poderá existir. [...]  Enquanto mulheres, principalmente as brancas privilegiadas previamente desprovidas de direito, começaram a adquirir poder social sem abrir mão do sexismo internalizado, as divisões entre as mulheres se intensificaram. Quando mulheres não brancas criticaram o racismo dentro da sociedade como um todo e chamaram atenção para as formas com que o racismo moldou e influenciou práticas e teoria feministas, várias mulheres brancas simplesmente deram as costas para a sororidade e fecharam a mente e o coração. E isso é igualmente verdadeiro para as questões de classismo entre as mulheres.” Ela desenvolve mais esses pensamentos no capítulo 7 (Luta de classes feminista), e no 10 (Raça e Gênero). Considero esses dois capítulos alguns dos mais importantes do livro, pois observo como até hoje há no movimento uma falta de racialização das pautas e consciência de classe; e todos sabemos que qualquer movimento sem ambas as coisas, só reforça a supremacia branca.



Além destes, um capítulo que me surpreendeu por me conceder um ponto de vista diferente, é o 11, que fala sobre a violência. Nele, ela explicita como a violência que tantos chamam de doméstica, na verdade é o que ela chama de violência patriarcal. Tal violência abrange a agressão física e psicológica de homens contra mulheres, pais contra filhos, e por aí vai. O que me surpreendeu foi que eu nunca havia ouvido falar nesse termo e na definição que a bell hooks dá: que (basicamente) a violência que observamos nesses casos faz parte de uma cultura de dominação em que somos socializados para enxergar a violência como forma aceitável de controle social. Citando um trecho do capítulo, “Em uma cultura de dominação, todo mundo é socializado para enxergar a violência como meio aceitável de controle social. Grupos dominantes mantêm poder através da ameaça (aceita ou não) de que o castigo abusivo, físico ou psicológico, será usado sempre que estruturas hierárquicas em exercício forem ameaçadas, quer seja em um relacionamento homem-mulher, quer seja na conexão entre pais ou mães e crianças.” Como somos socializados de tal forma, acabamos por reproduzir, em algum momento da nossa vida, essa violência. A única forma de contornar esse problema tão amplo que acomete as estruturas sociais da sociedade seria uma educação feminista e libertador, uma educação que conscientizasse as pessoas e desenvolvesse o poder de crítica das pessoas, provocando uma mudança nesse padrão. Como nós mesmos vemos no grande educador brasileiro (e inclusive uma das influências da bell hooks) Paulo Freire, “Quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é se tornar opressor”.



Finalizo aqui, ainda com vontade de dizer muitas das coisas que gostei sobre esse livro, mas deixando para que vocês o leiam por si próprios. Caso vocês venham a ler depois desse post ou já tenham lido, me contem o que acharam!


Sobre a autora

Nascida em 1952 no sul dos Estados Unidos e batizada como Gloria Jean Watkins, bell hooks adotou esse nome em homenagem à sua bisavó Bell Blair Hooks. Ela utiliza o seu nome todo com letras minúsculas pois quer que o foco seja no que ela escreve, e não em sua pessoa. Formada em literatura inglesa, com mestrado e doutorado nas Universidades de Wisconsin e Califórnia (respectivamente), ela se consagrou como intelectual negra, teórica feminista, crítica cultural, artista e escritora. Escreveu mais de 30 livros com vários gêneros, indo desde poesia a livros infantis e de críticas sociais. Suas influências são diversas, como Malcom X e Martin Luther King, até teóricos da educação como Paulo Freire.



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